Mercúrio no Rio Madeira (1988-2023)

Por Wanderley R. Bastos

UNIR – (bastoswr@unir.br)

Não é recente a extração de ouro no Rio Madeira (principal afluente da margem direita do Rio Amazonas) fazendo-se uso de um metal fascinante e com diversas utilidades como o mercúrio (Símbolo químico Hg, do grego latinizado hydrargyrum). É o único elemento químico líquido a temperatura ambiente e essa característica colabora na sua capacidade em amalgamar com alguns outros metais, a exemplo do ouro (Símbolo químico Au, do latim aurum). O Hg é um elemento não essencial aos seres vivos e de toxicologia bem conhecida, especialmente, agindo sobre o sistema nervoso central, portanto, neurotóxico.

Os primeiros estudos

Os primeiros estudos publicados cientificamente sobre mercúrio no ambiente amazônico datam de 1988, ou seja, há 35 anos, onde foram descritos pelos pesquisadores Pfeiffer & Lacerda (1988) e Martinelli e colaboradores (1988) publicados nas revistas Environmental Technology Letters e Ambio, respectivamente. A partir de então, as investigações para compreender a dinâmica biogeoquímica do Hg, especialmente nos ecossistemas aquáticos, passaram a ser constantes em toda a região Amazônia, principalmente nas bacias hidrográficas dos rios Madeira (RO e AM) e Tapajós (PA).

A sequência de estudos

Na sequência os estudos mostraram que o Hg não vinha apenas da fonte do garimpo de ouro, mas que ele estava também presente nos solos da Amazônia, que por centenas de milhares de anos recebem deposições atmosféricas consideradas de origem natural, provenientes dos gases vulcânicos. Portanto, o desmatamento/queimada é uma ação contribuidora de mercúrio para os ecossistemas aquáticos da região, pois desprotegem esses solos possibilitando sua lixiviação para os ecossistemas aquáticos. Importante registrar que o mercúrio é um Poluente Global, registra-se sua presença em todo o planeta.

Não importando a fonte de lançamento de mercúrio, hoje se conhece bem os processos de sua transformação química, ou seja, o Hg inorgânico se transforma em orgânico (Metil-mercúrio – MeHg), processo promovido em maior proporção pelos microorganismos. Essa transformação química o faz se concentrar muito rápida e eficientemente na biota. Portanto, naturalmente quem consome mais peixe tem concentrações de mercúrio mais elevadas no seu organismo, que pode ser detectado por meio do sangue e/ou cabelo. E sua ação tóxica atinge o sistema nervoso central. A sua toxicologia é muito bem conhecida do ponto de vista científico.

A biogeoquímica do mercúrio no Rio Madeira

Em relação a biogeoquímica do mercúrio no Rio Madeira, conduzimos um estudo de longa duração, trimestral e ininterrupto desde 2008 estudando a dinâmica do mercúrio nos compartimentos ambientais: água, sedimentos (suspensos e de fundo), plantas aquáticas, plânctons e os peixes. Nos peixes focamos nossas observações avaliando os diversos níveis tróficos, ou seja, os peixes de diferentes hábitos alimentares. Isso porque o mercúrio é um elemento químico diferente dos demais, sobretudo por se ampliar na medida em que os organismos sobem na cadeia alimentar. O que significa que o peixe que ingere outros peixes apresenta as concentrações mais elevadas, chamamos esse processo de biomagnificação.

O mercúrio no pescado do Rio Madeira

Essa informação é importante, pois não há necessidade em se alarmar a população, especialmente àquela que só tem essa fonte de proteína animal para se alimentar, e dessa forma orientar quais espécies de peixes devem ser priorizadas para o consumo. A seguir segue as concentrações médias de Hg no pescado do Rio Madeira, mas antes é importante apresentar os valores de referência de mercúrio em peixes fornecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

A quantidade de mercúrio no pescado

Para as espécies de peixes não carnívoras é de 0,50 mg/kg e para as espécies carnívoras 1,00 mg/kg. Até o momento em nosso grupo de pesquisa (Laboratório de Biogeoquímica Ambiental/UNIR) temos cerca de 13mil peixes (tecido muscular) quantificados as concentrações de mercúrio (Bastos et al 2015; Mussy et al 2022; https://biogeoquímica.unir.br/aquivo).

Os peixes não carnívoros apresentam média de concentração de mercúrio de 0,30 mg/kg (limite 0,50 mg/kg) e os carnívoros com média de concentração de mercúrio de 0,90 mg/kg (limite 1,00 mg/kg). Embora as concentrações médias não estejam ultrapassando a legislação brasileira recomenda-se dar preferencia ao consumo das espécies não carnívoras, especialmente a população ribeirinha, a exemplo do curimatá, branquinha, pacú, sardinha, piau dentre outros. Evitando algumas espécies carnívoras, a exemplo de pintadinho (piracatinga), barba chata, peixe cachorro, tucunaré e piranha preta. Importante também informar que os tambaquis de piscicultura de Rondônia apresentam concentrações inferiores aos peixes de rio e se apresentam abaixo dos limites da ANVISA.

A frase final

Na Amazônia, é fundamental que as investigações referentes as concentrações de mercúrio no pescado, assim como na população ribeirinha, sejam constantemente monitoradas.

Referências

Bastos, W. R., Dórea, J. G., Bernardi, J. V. E., Lauthartte, L. C., Mussy, M. H., Lacerda, L. D., & Malm, O. (2015). Mercury in fish of the Madeira River (temporal and spatial assessment), Brazilian Amazon. Environmental Research, 140, 191–197. doi:10.1016/j.envres.2015.03.029.

https://biogeoquimica.unir.br/arquivo. Acesso aos trabalhos científicos do Grupo Biogeoquímica Ambiental da Universidade Federal de Rondônia. (2023).

Martinelli, L.A.; Ferreira, L.R.; Forsberg, B.R.; Victoria, R.L. (1988). Mercury contamination in the Amazon: a gold rush consequence. Ambio, 17: 252-254.

Mussy, M.H., de Almeida, R., de Carvalho, D.P., Lauthartte, L.C., Holanda, I.B.B., Almeida, M.G., Sousa-Filho, I.F., Rezende, C.E., Malm, O., Bastos, W.R. (2022). Evaluating total mercury and methylmercury biomagnification using stable isotopes of carbon and nitrogen in fish from the Madeira River basin, Brazilian Amazon. Environmental Science Pollutant Research 30, 33543–33554. https://doi.org/10.1007/s11356-022-24235-7.

Pfeiffer, W.C.; Lacerda, L.D. (1988). Mercury Inputs into the Amazon Region, Brazil. Environmental Technology Letters, 9: 325-330.

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